sábado, 31 de outubro de 2020

descer a Fonte Grande e ir estudar no Maria Ortiz foi um adeus doloroso porque eu queria sair do ciclo que fui criada no Anacleta mas não queria ir para aquela escola. eu não queria criar um novo grupo, não queria me inserir num novo ciclo frágil de amizades... tinha medo disso.  acho que a dor foi porque eu sabia que o adeus era inevitável, e a dor do encontro com o desconhecido.. ou com a certeza de que novamente seria violentada.  uma dor relacionada a estar sozinha. a dor de sentir na pele e no osso a qualidade inevitável da vida. o que era inevitável à mim não era a solidão, nunca foi. a solidão pode ser evitada, sempre soube disso. acho que a dor era em saber que construir vínculos é doloroso, difícil, incerto. na verdade eu não queria ir para lugar nenhum. eu não tinha lugar. eu era infeliz comigo mesma, meu corpo era rígido, contraido. quando eu sorria, eu colocava as mãos em minha boca. em meu ensino fundamental eu aprendi a contrair e no fim dessa escola eu fui arremessada no mundo que me exige a expansão. não havia meus vizinhos, primos comigo na sala de aula. não havia meus primos para me proteger. eu estava sozinha, estava sem os homens. e eu não era homem. nunca consegui ser homem. então eu estava sozinha. eu entendi que ser inteligente me ajudava em algumas coisas, então aprendi a olhar em silêncio, escultar com baralhos, escrever cansada e me comunicar. teve um dia que fiz uma redação e a professora de História perguntou se tinha sido eu mesma que tinha feito, porque no texto eu usei o ponto-virgula. comentei com minha amiga, orgulhosa disso.. sempre foi um prazer ver as pessoas se surpreendendo comigo, com a minha inteligência. essa professora era branca ruiva, de história. a vida colocou a filha dela na mesma turma de psicologia. estudei com aquela desgraçada na faculdade... com a filha da professora branca que se surpreendeu com minha inteligência. ela continuou se surpreendendo comigo durante todo o ensino médio. apresentei um trabalho sobre Malcon X, no ano seguinte ela pediu para eu orientar os alunos dela da turma anterior a minha, ela amou essa apresentação. eu também. meu primeiro namorado também se surpreendeu com a minha escrita. antes da gente namorar, éramos amigos. ele me queria e eu queria ele. nessa amizade ele elogiou minha inteligência em saber diferenciar A de HA. foi engraçado e me fez bem. eu gostava de surpreender porque tinha o prazer de ver as pessoas sendo deslocadas da imagem que fizeram de mim? ou eu gostava de causar essa confusão que eu mesma sentia comigo mesma? acho que as duas nunca deixaram de acontecer. 

eu comecei a escrever esse texto porque estou ouvindo musicas que me fizeram lembrar de minha formatura. na formatura nenhum de meus amigos e amigas do Maria Ortiz estavam. apenas eu fui. me formei sozinha, junto com pessoas que eu detestava. me formei sozinha. olhava da sacada do Maria Ortiz e me perguntava "porque vocês não vinheram? "eu estou aqui, porque vocês não vinheram por mim? ", "eu estou aqui por vocês". Experimentei novamente o sentimento de abandono. Eu amava aqueles meninos e meninas. um de meus amigos de ensino médio rompeu comigo, deixou de falar comigo... depois de 5 anos encontrei ele numa festa e ele me agrediu verbalmente. ele é bissexual, ou gay ou sei la.. negro como eu. soube que agora ele faz uso de medicamentos para depressão ou ansiedade... não sei qual adoecimento ao certo, sei que acompanhei um pouco disso no ensino médio. passei o ensino medio todo sendo a única bixa entre minhas amizades. quando o ensino médio acabada, todos os meus amigos se assumem gays. novamente sozinha. o abandono... o rompimento, adeus.. sei la. 

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